Inovação azul: alga marinha ganha vida como atum sustentável em lata
- Alessandra de Paula

- 30 de nov.
- 3 min de leitura

No vasto oceano de soluções para o futuro da alimentação, uma iniciativa científica brasileira desponta como farol de esperança: transformar algas marinhas em uma versão vegetal do clássico atum enlatado. Essa empreitada, que mescla biotecnologia e economia sustentável, promete revolucionar o cardápio nacional, oferecendo uma opção proteica que une sabor familiar a benefícios ambientais e nutricionais inigualáveis.
É o que revela o projeto "BioValor", financiado pelo programa Horizonte Europa, unindo forças entre pesquisadores locais e especialistas europeus. À frente dessa ousada empreitada está a Embrapa Agroindústria de Alimentos, com núcleos de atuação no Rio de Janeiro, Ceará e São Paulo.
A equipe, sob a liderança da engenheira de alimentos Fabíola Fogaça, explora as praias da Costa Verde fluminense para o cultivo experimental de algas. Parcerias internacionais elevam o patamar: oito centros de excelência da Europa, como o NIOZ (Holanda), ILVO (Bélgica), Nofima (Noruega) e DTU (Dinamarca), integram o consórcio. Juntos, somam 74 instituições de 30 nações, em uma rede global dedicada à Parceria para a Economia Azul Sustentável.
O cronograma? Três anos intensos de experimentos, com protótipos finais previstos para avaliação industrial e testes com o público ao término do período. O segredo da mágica reside em um processo meticuloso de cultivo e processamento. Espécies selecionadas, como a Kappaphycus alvarezii – famosa pela produção de carragenina, um espessante natural usado em alimentos e cosméticos – e a nativa Gracilaria, uma alga vermelha da família Rhodophyta, são as estrelas principais. Sem demandar água doce ou adubos químicos, essas plantas aquáticas crescem em ritmo acelerado, absorvendo dióxido de carbono e purificando as águas marinhas. No laboratório, elas são combinadas com proteínas vegetais concentradas e aromatizantes naturais, resultando em um "atum verde" que imita fielmente a textura fibrosa, o tom rosado e o paladar defumado do produto tradicional. "Estamos refinando cada etapa para que o resultado final seja não só viável, mas irresistível ao paladar brasileiro", explica Fogaça, destacando os testes sensoriais em curso.
Os ganhos vão além do prato. Ambientalmente, as algas atuam como aliadas na batalha contra as mudanças climáticas: capturam carbono, restauram ecossistemas marinhos e alinham-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o 14, que visa a conservação dos oceanos. Para a saúde, elas entregam um tesouro nutricional – fibras abundantes, minerais essenciais, vitaminas e ácidos graxos ômega-3, tudo sem traço de colesterol.
"É um alimento visionário, capaz de promover bem-estar sem comprometer o planeta", afirma a coordenadora, enfatizando o potencial para dietas mais equilibradas e acessíveis. Economicamente, o impacto ecoa nas comunidades litorâneas. Com mais de 8 mil quilômetros de costa, o Brasil abriga um filão inexplorado para gerar ocupação e prosperidade. Pescadores familiares e agricultores costeiros podem diversificar rendas, integrando-se a cadeias produtivas que vão da colheita à embalagem. O mercado global de algas, avaliado em US$ 2,5 bilhões até 2032, impulsiona essa visão, enquanto a economia azul – hoje na casa dos US$ 1,5 trilhão anuais – deve dobrar de tamanho até 2030.
No país, onde o cultivo de algas ainda se restringe a nichos como a extração de carragenina no Nordeste, essa pesquisa pavimenta o caminho para uma indústria robusta, com treinamentos técnicos e até patentes em andamento. Claro, nem tudo são águas calmas. O aroma marcante das algas, que pode afastar o consumidor iniciante, é o principal obstáculo. Mas a equipe já mapeia soluções, ajustando cultivos e fórmulas para neutralizar sabores indesejados e realçar apelos sensoriais. "Temos um oceano de oportunidades à frente, e estamos navegando com inovação e responsabilidade", conclui Fogaça.









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